Por Carlos Felipe Horta
No lendário popular, a noite de 23 de junho, a mais longa do ano e véspera do dia de São João, é repleta de “estórias e simpatias”. Algumas delas nos remetem à mais velha antiguidade, quando os homens homenageavam as divindades do fogo com fogueiras, em redor das quais dançavam . Nem é preciso dizer que houve uma adaptação delas nas fogueiras de São João.
Outra, bastante curiosa e muito comum no Brasil de outrora – embora ainda persista em alguns pontos- é o do “compadrio do fogo”. Por ele, diante dos pais de uma criança, uma pessoa se torna seu padrinho, se comprometendo a cuidar dela e, para confirmar, dá três pulos sobre a fogueira.
A véspera de São João foi e ainda é um momento importante para o fechamento do corpo, com a reza de “orações fortes”, carregar um bentinho junto ao peito e passar de pés descalços sobre as brasas.
Ainda nesta noite, muita gente acredita que pode previsões sobre o seu futuro, quebrando um ovo num prato novo à meia-noite e, com um palito de fósforo de uma caixa nova, deve-se vislumbrar qual imagem o ovo forma.
Também se usam agulhas num prato cheio de água ou dando um talho no tronco de bananeira. Em ambos os casos, a imagem formada na água ou na bananeira abre espaço para se saber o que vai acontecer.
Há uma velha lenda de que Isabel, mãe de João Batista, ordenou que fogueiras fossem acesas no alto dos montes para que Maria, sua prima, soubesse do nascimento de seu filho.
Outra velha lenda, ligada igualmente ao fogo, diz que Isabel não deixava João ficar acordado na véspera do seu aniversário. Se isso acontecesse, ele colocaria fogo no mundo. Um pouco desta lenda está presente na velha cantiga da “Capelinha de Melão”,a em que se canta, por exemplo: “São João está dormindo, não acorda não. Acordai, acordai, acordai, São João”.
Outro fato importante a se lembrar – e mais uma vez com ligação com o tema fogo- é o sincretismo religioso afro-brasileiro que identifica São João com o orixá Xangô, exatamente o orixá do fogo e que, em alguns rituais, carrega um pote de barro cheio de brasas queimando sobre a cabeça, fato que ainda é praticado em vários pontos do Brasil.
Estas lembranças se fazem presentes no ato de passar descalço sobre as brasas da fogueira. Perto de Belo Horizonte, esta tradição continua sendo mantida na Matição, localidade de origem quilombola no município de Jaboticatubas.
Antigamente, havia ainda os balões que hoje não podem ser mais colocados no ar pelo perigo e risco que trazem ao meio ambiente e à natureza. As fogueiras, entretanto, com os cuidados que se fazem necessários, continuam sendo um dos grandes momentos da Festa de São João. Várias localidades se esmeram no sentido de armar altas fogueiras que são queimadas hoje à noite, servindo de palco para os folguedos.
Perto de Belo Horizonte, uma alta fogueira que já se tornou tradicional é a que acontece na Ponte dos Machados, na MG 129, seis quilômetros depois do seu trevo com a BR 381, a caminho de Itabira. Muita coisa ainda poderia ser narrada aqui mas o espaço é pequeno no facebook, podendo, porém, ser encontrada em nosso livro “Quadrilha: Teatro, Poema e Dança”.No mais, um feliz São João para todos, com direito a canjica, quentão, pé-de-moleque, casamento caipira e muita dança de quadrilha.
*Carlos Felipe Horta é jornalista e pesquisador sobre o folclore mineiro e brasileiro.